Maurício de Sousa: o Walt Disney Brasileiro

Maurício de Sousa: o Walt Disney Brasileiro

Mais de um bilhão de revistas publicadas, mais de 200 personagens criados (com histórias traduzidas para 50 idiomas em 126 países), cem empresas nacionais e internacionais licenciadas para lançar, aproximadamente, três mil produtos com a marca Mauricio de Sousa em 120 países. Os números são superlativos - e não param por aí (ele também criou mais de mil músicas para os personagens, é o maior produtor de animação para cinema, tem o maior estúdio de HQs e a revista mais vendida do Brasil, etc, etc e muitos etcs) - e traduzem o óbvio: com quase nove décadas de uma vida iniciada em 27 de outubro de 1935 e mais de meio século anos de carreira, Maurício de Sousa tem razões de sobra para ser chamado de “o Walt Disney Brasileiro”.

Nascido na pequena cidade de Santa Isabel (e criado em Mogi das Cruzes), desde pequeno Maurício via gibis sem parar. Mesmo antes de saber ler, tentava adivinhar os enredos ou pedia a ajuda da mãe - entre seus personagens favoritos estavam príncipe Valente, Tarzan, Pinduca, Flah Gordon, Fantasma, Super-Homem, The Spirit. E também desenhava muito, sempre incentivado pelos pais, Antonio Maurício (que era barbeiro, poeta, sambista e radialista) e Petronilha (escritora e também poetisa e radialista).

O primeiro personagem foi criado ainda na infância, nas bordas dos cadernos de escola: capitão Picolé, que lembra um pouco o dinossauro Horácio, mas com braços e uma capinha. O “herói” foi o primeiro entre os desenhos de Maurício a ter nome e algumas historinhas. O autor chegou a fazer algumas revistinhas artesanais com o personagem e vendia, na base da brincadeira, aos coleguinhas do grupo escolar em que estudava em Mogi.  

 
 
Tudo isso ocorreu nos anos de 1940, nos quais o pequeno artista também fazia caricaturas de professores, ilustrações para trabalhos de escola e até para jornal.

“Desenho desde que me conheço por gente. Rabiscava todo papel que aparecia pela frente. Com lápis, carvão, barro, o que desse. Estraguei os caprichadíssimos cadernos de poesia do meu pai, brinquei de fazer desenho animado nas bordas dos cadernos escolares, ilustrava cada lição que a professora passava,fiz cartazes para os estudantes da escola normal e cansei de fazer caricaturas para colegas e professores”, relembra Maurício.

O capitão Picolé, por sinal, já apareceu nas histórias da turma da Mônica, entre elas nos gibis Lostinho, Mônica 35 anos e nas biografias em quadrinhos de Maurício (são pelo menos três: Biografia em Quadrinhos, de 2007; Mauríci8o, de 2015; e Memórias de Maurício, de 2017; sem contar as memórias escritas em Navegando nas Letras I e II, respectivamente de 1999 e 2000.
 


Filho mais velho do casal Sousa (além dele, completam a família os irmãos Yara, Maura, Marisa e Márcio), Maurício teve uma infância típica do Interior: pescava e nadava no rio com os amigos (de vez em quando navegava também, usando uma bacia como barco), caçava rãs, comia içás na fogueira. Brincava com o coelho Pinduca e o cachorro Cuíca. Também “trabalhava” para a prima Terezinha, entregando marmitas, serviço que durou pouco porque o garoto parava no meio do caminho para jogar futebol - e às vezes ainda usava a marmita como trave).

Aos nove anos, começou a cantar e chegou a ganhar prêmios em rádios, mas encerrou a carreira musical quando a mãe o levou para cantar em um circo e ele simplesmente empacou: achava que cantar no circo era palhaçada.

Quando tinha 14 anos, Maurício fez seu “primeiro desenho animado”: usando um rolo de papel, desenhou uma aventura do personagem popular Pedro Malazarte e exibiu para a garotada da vizinhança em um cineminha improvisado usando uma caixa de papelão. Mas foi aos 19 anos que a vida de artista começou a ganhar novos rumos. Maurício mudou para São Paulo, onde inicialmente ajudava o pai nos serviços dele em estações de rádio da Capital. Incentivado por seu Antônio, foi bater de porta em porta nas redações de jornais paulistanos, tentando se empregar como cartunista. Foi recusado em todas.

Mas em 1954, quando saía da redação da Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo), desanimado por ter recebido mais uma negativa, foi parado pelo jornalista Mário Cartaxo, que pediu para olhar seus desenhos. Cartaxo ressaltou que Maurício tinha potencial, mas precisava melhorar tecnicamente e sugeriu que Maurício se empregasse para fazer qualquer coisa no jornal e continuasse praticando em paralelo.

 

A ideia era lógica: Maurício desenvolveria o traço e as amizades no jornal. No futuro, quando mostrasse seu trabalho, teria em mãos uma arte mais consolidada e estaria sendo avaliado por amigos...

Na Folha, começou a trabalhar como copy desk e depois tornou-se repórter policial (detalhe curioso: gostava de vestia ao estilo de Dick Tracy, com sobretudo e chapéu). Sempre que podia, ilustrava suas aventuras como repórter policial, ganhando experiência e fãs dentro e fora da redação.

 



Foi então, em 1959, Maurício criou uma tira na qual apareciam um menino gordinho e seu cachorro de cara comprida. Com a ajuda de colegas da Folha, convenceu um editor a publicar a tira: nasciam ali Franjinha e Bidu. “As histórias saiam em tiras compridas, de alto a baixo do jornal. Não tinha nome ainda. De um concurso na redação onde eu trabalhava, com cada um dando uma sugestão, o cãozinho foi batizado”, relembra o autor.

Apesar de já ter aparecido antes naquele ano de 1959, a primeira história com o nome Bidu foi publicada na Folha da Tarde de São Paulo no dia 18 de julho daquele ano. “Bidu tornou-se o primeiro personagem de sucesso a levar minha assinatura”, conta Maurício, que passaria a fazer bem mais sucesso alguns anos depois, com o lançamento de Cebolinha, Anjinho, Piteco e Horácio (todos de 1960), Cascão e Chico Bento (1961), Jotalhão e Penadinho (1962) e, aquela que viria a se tornar a estrela da família: Mônica (1963).

 

Vale lembrar que a dentuça foi inspirada na filha do autor - a Mônica verdadeira tornou-se diretora comercial da Maurício de Sousa produções - após um desafio lançado pelos colegas de redação. “Me perguntaram se eu era misógino e xinguei de volta, dizendo que claro que não (rs). Só depois olhei no dicionário e vi o porque me chamaram daquele jeito: não tinha personagens femininas nas tiras. Fiquei pensando o que fazer quando minhas filhas passaram perto de mim e vi as personagens na minha frente”, conta Maurício. Surgiam ali não só Mônica como a comilona Magali e a irmã do Cebolinha, Maria.
 


O sucesso, porém, veio com muito trabalho e iniciativa. Logo depois de ter criado e publicado Bidu, Maurício montou um pequeno estúdio em Mogi das Cruzes e resolveu que, se queria ter sucesso, era preciso criar uma rede de distribuição de suas tiras, para que fossem publicadas em mais de um jornal. Usando um compasso e um mapa, estabeleceu um raio de 100 km a partir do estúdio e começou a visitar os jornais inclusos no perímetro que delineou porque, nas palavras dele, não tinha dinheiro para tomar ônibus além dele. Assim, foi batendo de porta em porta em jornais de Suzano, Jundiaí, Santos, São José dos Campos, Campinas... (aliás, vale ressaltar, o bairro do Limoeiro, onde mora a Turma, é inspirado no bairro do Cambuí, em Campinas, na época em que Maurício morou na cidade, quando ainda havia muitos terrenos e campinhos para a criançada brincar).

Nos locais onde não chegava de ônibus, Maurício chegava via correio. Criou material promocional de seus personagens principais de então (Cebolinha, Bidu e Piteco) e enviava propostas para cidades mais distantes - a Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, por exemplo, foi um dos primeiros clientes a publicar as tiras fora do “perímetro do ônibus”.

 

 

Com o aumento dos pedidos, Maurício - que até então contava com a ajuda logística da primeira esposa, Marilene, e alguns amigos e parentes - viu que precisaria de mais auxílio. Assim, contratou uma equipe que, a princípio, desenvolvia apenas as tarefas mais simples, como fazer balõezinhos ou apagar os traços de lápis. Ainda em 1960 lançaria a primeira revista, do Bidu, pela editora Continental. Um Bidu bem distante do atual cachorro falante, era apenas um cãozinho muito inteligente acompanhando as aventuras – e desventuras - de seu gorducho dono Franjinha e companhia (Titi, Jeremias e Manezinho integravam a turma).

A revista era editada por Jayme Cortez que, segundo consta na biografia oficial em quadrinhos de Maurício, foi responsável por ter colocado o autor no caminho certo. Maurício teria tentado fazer uma revista de horror e recebido de Cortez uma bela crítica: “O Maurício me levou uma m*r#a de história de terror, mas eu insisti pra ele que fizesse seus quadrinhos cômicos.”

Com o aumento da demanda após a criação da Mônica - e com a expectativa de lançamento do primeiro gibi da dentuça (que chegaria em 1970) - Maurício alugou algumas salas comerciais na Alameda Barão de Limeira, em São Paulo: surgia ali o embrião dos Estúdios Maurício de Sousa.
 
 


Segundo Sérgio Tibúrcio Graciano - o funcionário que padronizou o cabelo do Cascão usando o dedo para borrar um pouco de tinta (“um cabelo feito com tecnologia realmente digital”) e que acompanha Maurício desde o início - no começo todo mundo fazia um pouco de tudo no estúdio. Ele mesmo, que originalmente era empreiteiro de obras, além de trabalhar no estúdio viajava para ajudar Maurício a vender histórias.

 


Mas a partir do lançamento do gibi da Mônica (“e sua turma”), em maio de 1970, o trabalho duro começou a gerar frutos mais apetitosos. O sucesso da revista rendeu a Maurício um convite para participar do Congresso Internacional de Histórias em Quadrinhos em Lucca (Itália), e o autor ganhou os olhos do mundo.
 
Dois anos depois, o pai da Mônica representaria o Brasil no Congresso de Comis em Nova York, onde ficou amigo de Stan Lee, o maior criador de heróis da Marvel. No mesmo ano foi ao Japão, onde começou a publicar tiras do dinossauro Horácio no jornal Itigô Shimbum. A companhia de Maurício na viagem era Alice Takeda, diretora de arte do estúdio que se tornaria sua terceira (e atual) esposa.
 
 


 

Em 1973 chegou às bancas o gibi do Cebolinha e, em 1974 Maurício ganhou o Yellow Kid, considerado o Oscar mundial dos quadrinhos, e ainda participou de uma mostra internacional no Louvre, em Paris. Em 76, ainda crescendo na carreira internacional, conheceu Dick Browne (criador do viking Hagar) e Will Eisner, um dos maiores quadrinistas do mundo, tanto na área prática quanto na teórica. Nesta mesma época, os gibis da turminha começaram a ganhar a Europa, sendo publicados na Alemanha, Dinamarca e outros países - curiosamente, o destaque de capa não era a Mônica, mas sim Cebolinha, que ganhou nomes como Frizz, Fratz e Plekkerne, entre outros.

 


Ainda no final dos anos 70, Maurício ganhou a televisão. Primeiro em 1976, com um bonitinho e inesquecível desenho de Natal (aliás, um gibi especial com as músicas do desenho foi lançado em 2008 nas bancas) - no mesmo ano surgia o terceiro gibi nas bancas: Pelezinho. Depois, em 1978, por meio dos produtos de franchising: Jotalhão estreou um famoso comercial do molho de tomate Cica. No mesmo ano, a turma ganhou sua primeira peça de teatro: Mônica e Cebolinha no Mundo de Romeu e Julieta.

 


Em 1982, Mônica ganhou seu primeiro longa-metragem nos cinemas: As Aventuras da Turma da Mônica. Muitas outras animações no cinema se seguiriam a essa: A princesa e o Robô (1983), As aventuras da Turma da Mônica (1986), Mônica e a Sereia do Rio (1987), O Bicho-Papão e Outras Histórias (1987), Turma da Mônica e a Estrelinha Mágica (1988) e – após um período de lançamentos exclusivos em vídeo/DVD – também foi aos cinemas “Uma aventura no tempo” (2007).

Ainda nos gibis, em 1982, Maurício começou a publicar, de maneira intercalada, revistas de Cascão e Chico Bento – os dois se intercalavam quinzenalmente. E em 1989 a MSP Produções lançou Magali. Nos anos 1990, Maurício mudou seu estúdio para o prédio de seis andares onde funciona até hoje e, em 1993, criou o Parque da Mônica em São Paulo.

A grande novidade dos anos 90 veio em 1994, quando surgiram personagens inéditos na Turma da Mônica, inspirados nos filhos mais novos de Maurício: Marina, Nimbus e Do Contra. As próximas novidades viriam nos anos 2000. Primeiro, uma reformulação da Turma da Tina.
 
Depois, a verdadeira tacada de mestre: Turma da Mônica Jovem, uma série paralela apresentando os personagens crescidos e em traço de mangá, que se tornou fenômeno editorial, com média de 400 mil exemplares vendidos por mês – e que, como tudo na vida de Maurício, sucedeu por muito trabalho e planejamento: o autor contratou uma equipe de roteiristas de primeira linha, que inclui Marcelo Cassaro (de Holy Avenger), fez questão de manter características fundamentais dos personagens e levar em conta o “passado” mostrado nas revistinhas normais e aceitou sugestões e críticas que considerou cabíveis (via Internet) para melhorar os personagens. 
 

Quando o autor completou 50 anos de carreira, foi lançado um documentário sobre Mauricio de Sousa no canal Biography, para toda a América Latina. Depoimentos de familiares, de pessoas que inspiraram seus personagens e de admiradores, como Pelé, Luciano Huck, Herbert Vianna, Ivete Sangalo e Roberto Civita. Destaque também para testemunhos de Ziraldo e cartunistas internacionais, entre eles Jim Davis (criador de Garfield), Mort Walker (criador de Recruta Zero) e Chris Browne (desenhista e filho do criador de Hagar).
 

Também naquele ano de 2009, sob a batuta do editor Sidney Gusman, a MSP Produções lançou o livro Maurício de Sousa por 50 artistas, com cartunistas de todo Brasil interpretando (ou reinterpretando) seus personagens favoritos do mestre. O sucesso foi tanto que gerou mais duas continuações, um outro livro do “Ouro da Casa”, onde roteiristas e desenhistas MSP faziam as próprias homenagens, e finalmente - a partir de 2012 - os geniais MSP Graphic Novels, onde artistas tiveram toda liberdade para contar histórias maravilhosas estreladas também por personagens de sua escolha.

Em 2013, Maurício lançou novo modelo de desenhos animados, ou melhor dizendo, animações em 2D, com destaque para a engraçadíssima Mônica Toy. Emquanto isso, as Graphic continuaram a ser lançadas com diversos artistas e, em 2017, começaram também a conquistar mercado internacional, com lançamentos na Europa. 
 
 
Também em 2017, Maurício realizou parceria com o filósofo Mário Sérgio Cortella a obra Vamos Pensar um Pouco? Lições Ilustradas com a Turma da Mônica
 
 

Em 2019, na esteira do sucesso da Turma Jovem, lançou outro mangá: Turma da Mônica Geração 12.  Maurício também levou para os cinemas, em versão live action,  Turma da Mônica: Laços e Turma da Mônica: Lições (2021), baseadas nas Graphic Novels homônimas, e a brilhante Turma da Mônica – a Série, exibida no streaming Globoplay.

Para terminar, nas entrevistas que deu por ocasião dos 60 anos da personagem, em 2023 (ano em que se iniciaram as comemorações do aniversário, que devem avançar até 2024 e incluem criação de bibliotecas e estátuas do Sansão), Maurício disse ainda que pretende elaborar histórias da Turma da Mônica em versão adulta.

 

 

O cartunista também lançou sua candidatura para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras o que, com certeza, é algo mais que merecido.

 

 



 

Assista ao Vídeo:
Maurício de Sousa: o Walt Disney Brasileiro

Entre em Contato com o Mundo HQ

Seu endereço de email não será divulgado, porém, deverá ser um e-mail válido para obter a resposta. Campos obrigatórios são marcados*